Se o assunto é aprendizagem e treinamento felino, um dos temas mais discutidos é, sem dúvida, o uso de punições para corrigir o gato que não se comporta bem. Isso porque, apesar de parecer óbvio para o leigo que o animal deva ser devidamente corrigido, os especialistas em comportamento felino, apoiados pela melhor ciência, estão convencidos de que corrigi-lo não é tão óbvio ou devido assim. Ainda que a punição possa reprimir o comportamento inapropriado no curto prazo, o seu uso causa sensações desagradáveis no gato, podendo deixar sequelas comportamentais, geralmente de médio e longo prazo, até piores do que o comportamento inicialmente corrigido.
Quando falo sobre os sérios riscos de se ensinar através de correções, logo lembro de uma experiência que eu mesma vivi. Ainda criança frequentei aulas de natação. A piscina era muito grande e funda e os alunos eram colocados em fila e recebíamos, um por vez, o aviso para pular. Ao cair na água, como não sabíamos nadar direito, após algum esforço a professora estendia um cano longo para que segurássemos na ponta e fôssemos levados até a borda. O aviso para pular era dado de forma firme e alta e, se não pulássemos, a professora falava ainda mais forte, o que nos gerava ainda mais medo. Ao cair na água ficávamos apavorados, pois precisávamos nadar um pouco até que o cano nos fosse estendido; sentíamos também vergonha, já que todos assistiam ao nosso desespero.
Aprendi a nadar, mas logo que pude, parei de frequentar as aulas, pois não era nada agradável estar lá. Por muitos anos, passei longe de piscinas; só o cheiro do cloro me causava frio na barriga, mesmo já sabendo nadar. Já adulta, levei vários anos e diferentes clubes e professores para reconquistar a sensação gostosa de nadar nas piscinas. O comportamento desejado (i.e. nadar) fora ensinado, porém com base em sensações desagradáveis (se não pulasse recebia grito, se não se virasse na água, se afogava, se não nadasse bem, passava vergonha) e sequelas (clubes, piscinas e professores que falavam alto e firme viraram fonte de medo pra mim). Até hoje é desagradável lembrar daqueles tempos e a culpa disso tem nome: aprendizagem através de punições.
Tecnicamente falando, punir um gato significa promover a diminuição de um dado comportamento (geralmente aquele “indesejado”) a partir de sensações desagradáveis que causamos no gato quando ele exibe o comportamento. Por exemplo, o gato mia repetidamente e recebe um spray de água na cara ou o gato morde e recebe bronca e é colocado de castigo no banheiro. Ao compreender a associação existente entre o seu comportamento e as consequências o gato deixa de miar e morder para evitar a água e o castigo; exatamente da mesma forma que eu evitei refugar o pulo ou afogar na piscina para evitar gritos e vergonha. Sem dúvida, é muito possível aprender sendo corrigido com punições e eu sou uma prova viva disso. O grande X da questão são os efeitos colaterais de se aprender assim. No meu caso, anos mais tarde voltei a nadar; vários de meus colegas daquela época desistiram, nunca aprenderam a nadar e seguem sentindo medo de piscinas até hoje.
Tomemos como exemplo um gato que faz xixi fora de sua caixa sanitária, mais especificamente no sofá da sala. A cada vez que o gato é visto urinando no sofá o seu responsável briga e o coloca de castigo. Ao fazer isso, é possível que o gato pare de fazer xixi no sofá, já que a sensação desagradável associada ao ato inapropriado leva o gato a concluir que tal comportamento não compensa. Porém, não esqueçamos dos efeitos colaterais de se aprender através de punições. O gato pode ficar tão frustrado com a punição que já no momento quando é corrigido, ele pode arranhar, bater ou morder quem estiver por perto. Ele pode sentir tanto medo da punição que a associa não apenas ao ato de urinar no sofá, mas ao sofá em si, passando a evitar subir nele ou passar perto dele. Ele pode também sentir muito medo de quem o corrige e, por conseguinte, passar a se afastar do seu responsável rompendo o vínculo de amizade que antes existia. Ao evitar o humano e/ou o sofá o gato passa a ter seus movimentos tolhidos, mantém-se preocupado o tempo todo, percebe suas relações alteradas e passa a vivenciar um estresse crônico. Outros lugares como camas e poltronas podem ser escolhidos pelo gato para urinar.
Se aquela micção no sofá por acaso fosse decorrente de dor por alguma doença urinária, essa não seria sequer descoberta. Ou pior, comportamentos resultantes de estresse crônico como vômitos e até arrancamento de pelos poderiam aparecer.
Em suma, utilizar punições para corrigir comportamentos felinos indesejáveis não compensa. Não é simples tampouco certeiro e inofensivo quanto se pensa. Olhar para os bons comportamentos, incentivá-los e recompensá-los, ao mesmo tempo que se maneja as causas dos comportamentos indesejáveis e se adequa o ambiente para que os comportamentos desejáveis floresçam é o que realmente deveria ser óbvio.