“O rosto é o espelho da mente” é uma citação atribuída a São Jerónimo, algo que podemos também aplicar aos nossos animais de companhia. É commumente aceite que os cães têm rostos muito mais expressivos do que os gatos. Contudo, a verdade é que os humanos são é capazes de “ler” mais facilmente as emoções dos cães.
Esta suposta incapacidade de ler diferentes expressões faciais de gatos é parte da razão pela qual os gatos são frequentemente considerados indiferentes e com falta de emoções. Embora haja, sem dúvida, alguma verdade nisto, estudos recentes desafiaram muitas das nossas suposições anteriores e forneceram novos conhecimentos sobre a complexidade das expressões faciais nos gatos. Será que consegue reconhecer toda a linguagem corporal do seu gato? Neste artigo explicamos tudo.
Historicamente, talvez tenham sido as expressões faciais associadas a comportamentos não amigáveis entre gatos, ou entre gatos e humanos, aquelas que foram mais bem reconhecidas e caracterizadas. Com isto, queremos dizer comportamento de gato agressivo, hostil ou com medo.
Por exemplo, um gato que demonstra agressividade terá, geralmente, as orelhas levantadas, mas viradas para fora, e terá pupilas estreitas ou pequenas. Por outro lado, um gato que apresente sinais de medo acentuado terá, geralmente, as orelhas descidas contra a cabeça e as pupilas dilatadas.
Expressões faciais felinas como estas, juntamente com posturas corporais e outros sinais, permitem-nos interpretar alguns estados emocionais dos gatos.
Os gatos são geralmente mantidos juntos em casas com vários gatos e, por vezes, em grupos maiores em centros de resgate ou adoção. Os gatos que vivem soltos são geralmente considerados facultativamente sociais, ou seja, têm a capacidade de viver e cooperar juntos numa situação de colónia, com as complexas interacções sociais que viver em estreita proximidade uns dos outros inevitavelmente exige.
Para os gatos que vivem em liberdade, as colónias que se formam são frequentemente chamadas de "matrilineares". São compostas inteiramente por gatas, muitas das quais podem ser parentes entre si, juntamente com as suas crias. Os gatos machos são geralmente excluídos destas colónias formadas naturalmente à medida que amadurecem.
A castração de gatos domésticos machos jovens significa que, numa perspetiva social, podem ser aceites em situações de múltiplos gatos e colónias, tal como as fêmeas. Acredita-se que esta capacidade dos gatos de formarem laços sociais e de viverem em grupo é algo que se desenvolveu com a domesticação.
Existem quatro áreas principais de interação social entre gatos individuais
No passado, acreditava-se que as expressões faciais dos gatos eram utilizadas principalmente em comportamentos agressivos. No entanto, um estudo recente e aprofundado realizado por Lauren Scott e Brittany Florkiewicz nos EUA avaliou o papel das diferentes expressões faciais felinas noutros comportamentos e interações.
Para o estudo, utilizaram um sistema reconhecido para a codificação de sinais faciais (concebido especificamente para utilização em gatos) e estudaram gatos num cat café gerido por um centro de adoção em Los Angeles. O estudo teve a duração de 10 meses, envolveu 150 horas de observações e analisou um total de 53 gatos adultos (com mais de um ano de idade). Os movimentos dos músculos faciais durante um episódio de comunicação com outro gato foram caracterizados, mas os movimentos da cabeça e dos olhos foram excluídos.
Curiosamente, os autores do estudo conseguiram identificar 276 combinações distintas de movimentos musculares faciais (ou ‘expressões faciais’ felinas). Destes:
Os sinais faciais envolviam uma média de quatro movimentos musculares faciais diferentes. Os movimentos musculares significativamente mais observados durante a comunicação afiliativa incluíam orelhas e bigodes a moverem-se para a frente e mais próximos, e os olhos a fecharem-se.
O facto de certas combinações de movimentos musculares faciais (‘expressões faciais’) serem mais vistas durante interações afiliativas ou não afiliativas sugere fortemente que estes sinais faciais são utilizados pelos gatos para a comunicação social. Isto contrasta com as suposições anteriores de que estes sinais estavam exclusivamente envolvidos em interações não afiliativas.
Embora seja necessária mais investigação noutras populações de gatos em situações diferentes, os resultados deste estudo fornecem uma visão fascinante de uma área pouco investigada do comportamento dos gatos. Como acontece frequentemente, estes resultados desafiam a sabedoria convencional sobre os gatos e mostram a profundidade e a complexidade do seu comportamento.
No futuro, uma melhor compreensão das interações entre gatos e dos sinais afiliativos e não afiliativos (incluindo sinais faciais felinos) poderá permitir uma melhor compreensão dos laços entre gatos e da melhor forma de gerir as relações numa casa com vários gatos. Atualmente, para os cuidadores de gatos que desejam ter mais do que um gato em casa e evitar conflitos entre eles, alguns conselhos importantes incluem:
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1. Lauren Scott, Brittany N. Florkiewicz: Feline faces: Unraveling the social function of domestic cat facial signals. Behavioural Processes, Volume 213, 2023, 104959. https://doi.org/10.1016/j.beproc.2023.104959.